BURNOUT ENTRE O PESO E A LEVEZA[1]

Maribel Mendes Sobreira, Junho 2013

XXI

Se queremos ser iniciados da vida, devemos reflectir nas coisas sob duas perspectivas:

Em primeiro lugar, a grande melodia, na qual actuam em conjunto coisas e perfumes, sensações e passados, crepúsculos e nostalgias, –

e depois: as vozes individuais, que preenchem e completam a plenitude deste coro.

E, para criar uma obra de arte, ou seja, uma imagem da mais profunda, da existência possível, não apenas hoje, mas em todos os tempos, será necessário pôr numa relação justa e equilibrar ambas as vozes, a de uma hora dessa mesma existência e a de um grupo de pessoas dentro dela.[2]

Rainer Maria Rilke

I

Partindo das palavras de Rainer Maria Rilke, um objecto de arte seja ele em que dimensão e suporte for, reporta-nos para o mais profundo da dimensão humana, para o que o ser tem de mais primordial: as suas sensações e acima de tudo a inquietação que faz rodar o tempo e a vontade de conhecer e desbravar caminhos. A arte, tem esse propósito, a de mostrar novas inquietações, novas construções de mundos possíveis e imaginários. De acima de tudo mostrar a realidade partilhada pelo olhar do outro, para que se possa deleitar dessa mesma partilha, como nos diz Henry David Thoreau “Ser o único a deleitar-se com algo é privar-se do verdadeiro deleite”[3].

Que deleite estético temos, por exemplo, quando olhamos para um objecto, como a cabeça de um motor pendurada numa parede? só por si, com o nosso olhar nada vemos de contemplativo num objecto em que a sua intenção é a pura funcionalidade técnica, como por exemplo, em Half a Head (Orlando Franco, 2013). Esse deleite surge quando o outro partilha o seu olhar, a sua visão do mundo para que não nos privemos de entender o mundo fora de nós, quando o artista Orlando Franco a coloca numa posição em que o objecto funcional é descontextualizado e através de jogos de luz ganha uma nova função: a de objecto artístico. A cabeça do motor transforma-se num livro aberto que por sua vez se transforma numa borboleta, tudo num jogo de luz e sombras, que nos remetem para as memórias guardadas num qualquer inconsciente colectivo.

II

O conjunto de trabalhos que o artista Orlando Franco nos apresenta sob o título BURNOUT, poderá ser entendido sobre essa relação da luz e sombra, o deslumbramento da realidade vivida e trabalhada pelo corpo do homem, do animal e da máquina,  através do peso e da leveza. A palavra Burnout pode-se dividir por burn (queimar) e out (exterior) sugerindo – segundo a psicologia – um comportamento acumulativo exteriorizado por uma explosão irracional de energia física e emocional que chegou ao seu limite deixando de funcionar por completa falta de energia.

O burnout  – nesta exposição – seria a evasão que  exterioriza o peso (burn), que se transformaria numa leveza partilhada para um universo exterior a nós. Não será essa a tarefa do acto criativo?, como que o esvaziamento de um enchimento emocional e conceptual que terá que ser exteriorizado no momento em que o corpo chega ao limite das suas forças?

III

Os trabalhos expostos remetem-nos para um ambiente onde o onírico e o saturniano estão ligados através do vídeo Untitled (Wind) (O.F. 2013), criando uma relação de uma densidade poética onde as nossas recordações são confrontadas com os sentimentos a que elas despertam. O olhar descansa mas a inquietação interior permanece… Objectos descontextualizados da sua função, aparecem como que num desdobramento da memória, que o observador vai construindo com as suas próprias vivências, sendo constantemente balançado entre reminiscências densas e ou leves.

A constante comum dessas reminiscências é o corpo, ou partes do corpo. Temos, por exemplo,  em Out of hand (after thousands hours)(O.F. 2013) a força do cavalo numa acção suspensa, como que num acto em que apercebemos a sua pré-existência da coisa consumada, realizada; temos o acto realizado mas não o vemos a acontecer, são os vestígios de uma memória que cada um construirá por si e em si, em confronto.

Este projecto que Orlando Franco apresenta sob o titulo Burnout, remete-nos para o enraizamento esquecido da infância, onde a procura da leveza e do peso funcionavam como um único elemento do jogo de um crescimento  irreflectido… a voz que imana do vídeo, preenche a sala, para nos recordar que somos criaturas do vento e de quão selvagem é o vento.

[1] Este ensaio não foi escrito segundo o novo acordo ortográfico

[2] Rilke, Rainer Maria, Notas sobre a melodia das coisas, editora Licorne;

[3] Thoreau, Henry David, Caminhada, Antígona Editores Refractários.

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Orlando Franco: de Passagem pela Paisagem - Teresa Palma Rodrigues